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Amechanon, Vol. I / 2016-2018, ISSN: 2459-2846
de prática e investigação teórica ao se pensar a relação entre corpo e pensamento; entre
teatro e filosofia.
Uma conceição de filosofia
A filosofia é uma palavra imensa, muito difícil de definir. Não pretendemos fazer isso neste
modesto trabalho, mas delinear ou configurar um campo onde situar nosso pensamento e
nossa prática. Como o afirma a sua etimologia grega, a filosofia é, antes de mais nada, um
afeto, uma paixão, um sentimento, um phílos… ela não é estritamente um saber (sophía),
mas uma relação ao saber, uma philo-sophía… por isso, a dificuldade para se fixar qualquer
filosofia num conjunto determinado de ideias, conceitos ou saberes e, ao mesmo tempo, a
importância extrema, absoluta, da busca dessas ideias, conceitos ou saberes... assim, a
filosofia é aquela paixão por sempre estar a caminho no pensamento, por questionar e
questionar o que é afirmado nele, mesmo que isso signifique ausência de certezas e de
caminhos claros para andar e mesmo que esse caminho perceba a impossibilidade de
alcançar uma resposta satisfatória a respeito das motivações que alimentam o pensar… a
filosofia é essa espécie de errância apaixonada no pensamento que não se detém, uma
espécie de necessidade impossível de encontrar o não pensado no pensamento.
Ainda hoje Sócrates é uma figura interessante para pensar essa forma de compreender a
filosofia. Ele se situa no início da filosofia, não apenas no seu começo cronológico na
Atenas do século V antes de Cristo, mas como uma condição para começar a filosofar em
muitos outros tempos e espaços… por isso é sempre interessante lembrá-lo: com ele, a
filosofia, que parece algo impossível, primeiro se torna possível, e depois necessária.
Vejamos o caso da sentencia do Oráculo em Delfos escutada por seu amigo Querefonte e
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que diz o impossível: não há ninguém mais sábio do que Sócrates em Atenas . Sócrates sai
em busca da verdade dessa afirmação: Atenas está habitada por tantos sábios e ele próprio
não detém nenhum saber especialmente significado mas, ao mesmo tempo, o oráculo não
pode mentir. Será necessário, então, pesquisar, investigar, perguntar e interrogar os
outros atenienses para encontrar sentido nessa sentença oracular. Assim, depois de sua
busca, Sócrates encontra um sentido no que parecia impossível: a ignorância e a sabedoria
não são contrários. No mundo sabido dos sábios, a ignorância é um vazio, uma falta, um
defeito (i-gnorantia) e a sabedoria o seu contrário, uma presença, uma plenitude, uma
78 Platão, Apologia de Sócrates, 21a ss.
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