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Amechanon, Vol. I / 2016-2018, ISSN: 2459-2846



                   Por  fim,  a  terceira  linha  um  pouco  enigmática,  aparentemente  estranha,  insólita.  A

                   encontramos no Abecedário, essa longa e póstuma entrevista com Claire Parnet, essa fonte
                   inesgotável de pensamento, esse exercício vivo de filosofia exuberante de referências ao
                   mundo educacional. Estamos na letra «p» como professor. Deleuze diz literalmente que

                   seu papel como professor era reconciliar os seus estudantes com sua solidão. O contexto

                   é de demanda de comunicação por parte deles, de queixa dos estudantes por se sentirem
                   sós, solitários. É um pouco estranha a resposta de Deleuze por que essa afirmação poderia

                   ser lida como se referindo a uma dimensão terapêutica, pessoal, sentimental, como se o
                   professor  fosse  uma  espécie  de  terapeuta  dos  alunos  e  se  preocupasse  por  sua  vida

                   pessoal, algo que Deleuze uma e outra vez satiriza e desconsidera no próprio Abecedário.

                   De modo que não faz muito sentido entender a referência dessa maneira. O contexto da
                   intervenção de Deleuze nessa mesma letra do Abecedário aponta em outra direção: essa

                   referência pode ter a ver com o fato de Deleuze considerar que a criação é, no fundo, um
                   ato individual, por tanto seria uma forma do professor mostrar os aspectos potentes e

                   afirmativos da solidão. E, ao mesmo tempo, sendo um ato solitário, o ato da criação faz
                   sempre apelo «a um povo que ainda não existe» («O ato de criação», 1988), uma outra

                   referência enigmática de Deleuze mas que mostraria que, no fundo, a solidão é sempre

                   uma condição de partida passageira ou em trânsito. Assim, se reconciliar ou sentir feliz com
                   a própria solidão poderia ser uma forma de tomar para si a própria condição de uma vida
                   criadora, de cada um, e também de uma vida coletiva ainda por ser vivida…


                   Claro que todas estas elucubrações são muito provisórias, tentativas e no dia da vinda dos
                   alunos da escola Pedro Rodrigues do Carmo estavam muito vivas, latentes, presentes ante

                   a  iminência  da  apresentação  no  evento  da  noite.  Eis  que  Izabella  irrompeu  nos  bem
                   comportados comentários sobre a amizade: «Não gosto de ter amigos. Eles me impedem

                   de ficar só». Izabella nos lembrou imediatamente aquele depoimento de Deleuze relativo
                   à tarefa de um professor, que seria ensinar seus alunos a ficarem felizes com sua solidão.

                   E  Izabella  nos  diz  que  não  gosta  de  amigos  porque  a  afastam  de  sua  solidão.  Então
                   percebemos que além de todas as outras coisas que a vinda desses alunos de uma escola

                   municipal de Duque de Caxias pode trazer para eles, para a escola e para a universidade,
                   essa vinda traz um mundo para o pensamento. O encontro com esses alunos é para nós

                   uma oportunidade para pensar, de igual para igual, com os filósofos consagrados pela
                   tradição.






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